Parte 2
O casamento era para homens de família, para primogênitos que precisavam
conseguir herdeiros, para homens que precisassem de uma herdeira ou para bobos
que se apaixonavam.
Thur era o mais distante de um homem de família que ele poderia imaginar; ele
nunca tinha se encontrado com o pai, nunca tinha estado na casa da própria família.
Ele se lembrava de ter se encontrado com os dois irmãos mais velhos duas vezes na
vida. Poderia ter sido três vezes. Aquelas ocasiões tinham sido difíceis e
desconfortáveis, e nenhum deles tinha feito esforço para se verem desde que tinham
se tornados adultos.
O pai dele tinha morrido enquanto ele estava fora na guerra e seus irmãos
não tinham nem pensado em
informá-lo. Ele foi informado da morte da mãe pouco tempo
mais tarde—não que ele a tivesse visto desde que era uma criança. A morte da tia-avó
Gert o tinha afetado mais; o grau de pesar que ele sentira com a perda da severa
e velha mulher o chocara por sua intensidade. Sua parenta mais distante, tinha sido
o membro mais íntimo da família, exceto por Harry. Então não, ele não era
nenhum homem de família.
Ele não tinha nenhuma necessidade de um herdeiro, também. Sendo o terceiro
filho, ele era um excesso para os requisitos, então quaisquer herdeiros
potenciais que viessem de seu corpo, também seriam considerados supérfluos.
Ele não precisava se casar com uma herdeira, ou ganhar seu sustento. Sua tia-avó
Gert tinha deixado Grange para ele além da maior parte de sua fortuna, com uma
lista de condições, abençoada tirânica e querida idosa. Nenhuma das condições
incluíra seu casamento.
Quanto a ser um desses pobres tolos que se apaixonam, ele nunca imaginaria que
isso pudesse acontecer. Tinha planejado nunca se permitir que acontecesse. As
pessoas apaixonadas podiam fazer coisas terríveis umas as outras, e inocentes
sofriam quando eles as faziam. Ele e Harry tinham experimentado isso, mas de modos
diferentes. Era ruim o suficiente para um arruinar a vida do outro, mas as crianças
se tornam meros peões quando as coisas dão errado em um casamento…
Thur retirou várias folhas de papel para escrever, ligeiramente amareladas,
intocados desde o dia da morte de tia-avó Gert. Ele tinha visto o amor acontecer
em outras pessoas várias e várias vezes e achava que era imune. Ele nem mesmo estava
certo de que teria acontecido com ele agora.
Tudo o que ele sabia era que todas as vezes que olhava para ela, queria tocá-la,
saboreá-la, abraçá-la. E o instinto dele gritava para que não a deixasse ir.
Ele sacudiu um pote de tinta. Seus instintos o mantiveram vivo ao longo de
oito anos de guerra. Ele não iria começar a ignorá-los agora.
O último dos raios de sol tocou a janela de arco octogonal e deslizou para longe.
Logo estaria escuro. Ela não tinha admitido a derrota ainda, mas ela tinha dado
a ele uma trégua. Ele tinha uma noite. Precisava de pelo menos mais duas. Eles
demorariam esse tempo para chegar aqui.
Quando ela estivesse na estrada, ficaria mais vulnerável. Ele não queria alarmá-la
ainda mais, mas se tivesse sido o Conde Anton que tivesse deslizado por entre
as mãos dele, ele colocaria cada um de seus homens nas estradas principais que
saíam de Lulworth e em várias pousadas ao longo da estrada para Londres. Uma mulher
solitária com um menino pequeno com uma perna manca seriam facilmente
localizados.
Quando ela finalmente partisse para Londres, Thur decidiu, seria
acompanhada pelos quatro melhores homens—os Anjos do Duque ou, como alguns os
chamavam, os Cavaleiros Infernais: Rafe, Harry e Micael. E ele mesmo, claro.
Harry já estava a caminho, trazendo os cavalos.
Rafe estava em uma festa em Aldershot, tentando se forçar a fazer o que a
família dele esperava—não, tinha sido persuadido que o fizesse, não importando o
quanto a ideia ficasse entalada em sua garganta—casar-se com uma herdeira.
Quanto a Micael, estava em Londres, mas só Deus sabia o que estaria
fazendo—qualquer coisa que pudesse borrar as memórias do Convento dos Anjos. Pobre
Micael. De todos eles, era o mais assombrado pelo passado. Se ele não
aprendesse a dominar isto, Thur temia que enlouquecesse. Seria bom para Micael
ter um problema real para se preocupar, algo aqui e agora, uma mulher com uma
criança que ele pudesse proteger.
Thur imergiu a pena na tinta e começou a escrever.
O jantar da noite foi servido na sala pequena do café da manhã e uma vez
mais, a Sra. Barrow usou os meninos como garçons, só que desta vez pediu a permissão
de Lua.
Ela tinha alimentado os meninos na cozinha primeiro, e explicou. “Os modos
do jovem Jim não se adéquam a sua companhia, Sua Alteza. Seu Nicky é um correto
e pequeno cavalheiro e é muito ruim para ele observá-lo, então creio que Jim logo
terá que aprender a se comportar”.
Lua não ficou surpresa pelo que Sra. Barrow disse. Nicky era dolorosamente
correto, e isso mais notável aqui, onde tudo era mais relaxado.
Em casa, sempre que eles jantavam em família, Rupert dirigia uma quantidade
ininterrupta de instruções e críticas apontadas ao filho—seus modos, seu porte,
o modo com ele partia o pão, suas tentativas de responder às manipulações sociais
que o pai disparava contra ele.
Rupert tinha sido um homem muito bom, ela pensou tristemente, mas tinha
ficado determinado a forjar o filho como um príncipe merecedor de seu nome.
Seus métodos estavam esmagando um menino pequeno e sensível.
Era algo que ela precisava reparar.
Talvez sendo um modelo para os modos de Jim pudesse dar a Nicky um pouco da
confiança que ele não tinha.
“Muito bem”, ela concordou, sabendo o quanto Nicky tinha gostado de servir
à mesa nessa mesma manhã. “Mas depois do jantar mande ele se juntar a mim na
sala de visitas, por favor”. Tinha sido um grande dia, e ela queria conversar
com o filho, ouvir seus pensamentos, e tranquilizar-se do necessário.
Ela também estava um pouco preocupada com o modo como ele tinha recebido seu
anúncio mais cedo de que eles estavam partindo. Ele não disse nada—porque era
invariavelmente obediente e bem comportado—mas seu rosto caiu com desânimo
absoluto.
Era duro para ele, ela sabia. Ele gostava desse lugar como um pato gosta da
água, e parecia apreciar o jeito rude e mandão da Sra. Barrow. Ele tinha caçado
sanguessugas, tinha feito sua primeira luta e consequentemente um bom amigo—homens
eram criaturas estranhas.
Ele tinha até feito seu primeiro passeio a cavalo que não tinha acabado com
ele esparramado dolorosamente no chão para rir, ou mais humilhantemente, fazer
um silêncio envergonhado.
Mesmo que ela vivesse cem anos, nunca se esqueceria do modo como ele a
tinha saudado esta manhã, todo coberto de lama, sorrindo para ela da parte de
trás de um cavalo gigante na frente de Arthur, ofegante com alegria e triunfo.
E se enchendo de confiança.
Ele estava feliz aqui, mais feliz do que ela já tinha visto, e ela se afligia
por arrancá-lo dessa felicidade. Mas era a felicidade dele ou sua segurança. O Conde
Anton não tinha procurado por eles essa distância toda para desistir e mansamente
voltar para casa.
Ela tinha em mente uma conversa íntima depois do jantar com o filho, mas
Nicky tinha trazido o amigo Jim junto com ele, e ela ficou surpresa pelos
homens terem se juntando a ela, Mel e os meninos.
“Vocês jogam xadrez, meninos?”, o Sr. Suede perguntou e mostrou uma caixa
de madeira pequena que aberta se tornava um tabuleiro de xadrez. “Um bom jogo
para uma noite longa e fria”.
Jim estava ávido para aprender, então Nicky ficou quieto, observando silenciosamente.
Mel ficou assistindo, também. Lua sorriu. Mesmo papai julgava Mel uma oponente
merecedora.
Thur puxou uma cadeira para próximo a ela. Ele não tinha dito nada durante
algum tempo, apenas tinha dividido o tempo entre observá-la fingir costurar e assistir
a lição de xadrez.
“Seu filho já sabe jogar xadrez”, ele comentou.
Ela olhou de relance para ele surpresa. “Como sabe?”.
Ele encolheu os ombros. “Ele está observando a interação entre os
jogadores, em vez de tentar aprender o mecanismo do jogo. E já que ele é o tipo
de menino que gosta de saber as coisas, presumo que ele já conheça os
movimentos”.
Ela deu um pequeno aceno com a cabeça. “Sim. Meu pai e meu marido adoravam
jogar xadrez”.
“Levavam isto muito seriamente, também, aposto”.
Ela anuiu com a cabeça.
“É como ver a mim e Harry novamente”, ele disse depois de um tempo. “Harry
era apenas uma criança tão selvagem quanto o jovem Jim, e eu era provavelmente tão
carente quanto Nicky”.
Carente? Thur pensou na palavra que ele mesmo tinha dito. Ele nunca tinha pensado
em si mesmo como alguém carente.
Mas observando o reservado menino, com rosto inteligente, respostas
rápidas, respostas tímidas ao entusiasmo de Chay e Jim, Thur de repente se lembrou
de como se sentia ao se sentar do lado de fora, ansiando por ser aceito, querendo
verdadeiramente pertencer a algo. Agradecido por qualquer migalha de aprovação.
Ele já tinha se esquecido de que se sentira assim.
Ele olhou de relance para o rosto dela. As palavras dele tinham-na incomodado.
“Ele está bem, é um menino cheio de espírito. Vai crescer bem”, Thur disse
a ela ternamente. Thur tinha ficado bem também.
“Meu filho não é carente, e eu duvido que você saiba o significado da
palavra”, ela disse a ele.
Deveria ser uma reprimenda, mas ela inconscientemente tinha oferecido a Thur
uma abertura que ele não pôde resistir.
“Oh, eu te asseguro, eu entendo o que carência quer dizer, especialmente
depois desta tarde”, ele murmurou, a voz aprofundando. Os olhos dele foram
descendo até os lábios dela e ele sugestivamente suspirou. E embora ele estivesse
apenas a provocando, a memória do beijo se rebelou e ele teve que batalhar contra
o próprio corpo.
Um tom cor de rosa surgiu em suas bochechas dela. “Se você fosse qualquer
tipo de cavalheiro, não se referiria àquele incidente”.
Os olhos dele não saíram dos lábios dela. “Foi um incidente particularmente
doce. Como os seus lábios”.
“Você não vai flertar comigo aqui!”, ela ordenou em meia-voz.
“Não?”, ele deu a ela um olhar de falsa inocência e surpresa. “Aonde nós
devemos ir para flertar então?”.
Ela estreitou os olhos gloriosos para ele. “Nós não devemos ir a lugar
nenhum”.
“Você não quer ir a lugar nenhum?”.
“Não, não vou me mover deste lugar”.
“Excelente, eu pensei que você sairia amanhã de manhã”, ele disse
imediatamente. E ergueu a voz. “Escutem todos, a princesa disse que não irá partir,
afinal. Ela decidiu ficar aqui”.
O queixo dela caiu, mas antes que tivesse tempo de refutar o ultrajante mal
entendido de suas palavras, o filho dela veio voando através da sala e jogou os
braços ao redor dela.
“Oh, mamãe, obrigado, obrigado! Eu queria tanto ficar, e Jim tinha me dito
que havia um lugar onde nós poderíamos pescar, nós podemos ir amanhã, por
favor? Eu nunca pesquei e talvez eu possa pegar um peixe para a sua ceia. Mamãe,
você sabe o quanto gosta de peixe!”.
Acima da cabeça do filho ela encarava Thur, que esperava não estar se
mostrando tão satisfeito consigo mesmo quanto se sentia. Ela tinha entrado nitidamente
na armadilha dele, e ele seria recompensado com mais outro dia, pelo menos.
Mais dias se ele pudesse persuadi-la. As cartas dele estavam voando pelo caminho.
“Será perfeitamente seguro”, ele a lembrou. “Ninguém sabe que você está
aqui e não há nada que ligue a senhorita Melanie a este lugar”.
Ele a viu considerar s palavras, mordendo o lábio pensativamente. Ele observou,
revivendo as sensações que tinham percorrido seu corpo enquanto tinha mordiscado
aquele mesmo lábio. Ele ainda podia saborear o gosto de mel dela. O corpo dele pulsava
com a recordação. E com desejo.
Ela se lembrou, também, e ele podia dizer pelo modo como ela abruptamente tinha
parado de morder o lábio e virou rapidamente um olhar tímido na direção dele.
Ela viu que ele a estava observando e corou ainda mais profundamente.
Ele também podia ver que ela estava tranquilamente furiosa pelo modo como ele
a tinha enganado, ainda assim ela disse ao filho que tudo bem, eles ficariam
outro dia, e sim, o Sr. Aguiar os escoltaria até a pesca e garantiria a
segurança dele, ela permitia que ele fosse.
“Eu ficarei muito feliz em ir”, Thur disse.
Nicky se endireitou. “Obrigado, mamãe, senhor”. Quase incapaz de conter sua
excitação, ele ainda conseguiu fazer uma reverência respeitável e correu de
volta para o jogo de xadrez.
Ela deu a Thur um olhar enviesado. “Desejo que você se divirta na pescar”.
Ele riu. “Não, você não deseja”.
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