Capítulo XIV.
“Venha comigo, hora de dar a notícia para todo mundo”. Arthur ofereceu seu
braço para conduzi-la até a sala de visitas onde todo mundo tinha se reunido
para jantar.
Lua se sentia como se o buraco do estômago dela tivesse sido aberto em um
grande e enorme vazio. Ela nunca deveria ter selado o acordo com um beijo. Tinha
sido um engano. Um enorme engano.
Ela não queria dar a notícia a ninguém, não queria fazer nada para trazer
essa ideia de um reino fantástico para a realidade horrenda.
Noiva! Casar. Com Arthur Aguiar.
Fingir ao mundo que eles eram apaixonados. Ela não podia. Ela não iria.
Mas ela tinha que fazer, ela se lembrou. Por Nicky.
E a primeira coisa que ela deveria fazer era recuperar seu ar normal e tranquilo.
Esquecer as sensações que tinham sacudido seu corpo quando ela o tinha beijado.
Não devia ter sido assim. Deveria ter sido um beijo profissional.
Ela não podia encarar ninguém assim, estremecendo toda, quente e instável.
Ela precisava de um longo e relaxante banho. Um banho frio.
Mas todo mundo estava esperando que eles entrassem para jantar. Ela demorou
um momento, parando na frente do espelho, verificando se seu cabelo não tinha deslizado
do laço. Por um arranjo de última hora, a empregada da Lady Gosforth tinha feito
um trabalho excelente. Ainda parecia seguro. E Lady Gosforth tinha dado a ela
um manto primoroso de casimira carmesim boa, bordada com linhas de ouro,
dizendo, “eu adoro carmesim, minha querida, mas o carmesim, ai, ele não me adora”.
Era verdade, a cor era muito forte para uma senhora de meia-idade mas ficava
perfeita em Lua. Parecia tão rico e elegante; o vestido cinza pardo era uma combinação
perfeita com ele.
Desculpas de último minuto giravam no cérebro dela. E ela as esmagou.
O casamento deixaria Nicky seguro. Era tudo o que importava.
Ela conseguiria fazer. Era apenas uma exibição, um ato. O problema na última
vez tinha acontecido porque ela não tinha escutado o pai quando ele tinha dito que
era um casamento de conveniência. Ela tinha se apaixonado pelo rosto bonito de
Rupert e tinha permitido que sua atenção e elogios galantes a enganassem e
fizessem-na acreditar que ele a correspondia. Ela estava certa de que era uma
união apaixonada.
Ela não faria isto novamente.
Mais vale prevenir que remediar.
Se ela não se apaixonar, não poderá se machucar. Tudo o que ela tinha que
fazer era não se apaixonar por Arthur. Ela podia fazer isto.
Uma mulher prevenida vale mais do que duas.
Era espantoso quantos ditados ela se lembrava. Ela tinha passado por várias
coisas horríveis. Por que não os tinha notado antes?
“O que você está pensando?”, o futuro marido dela murmurou.
“Achar uma agulha no pa—”, ela começou, então emendou apressadamente.
“Verificando apenas meu cabelo”.
“Você parece muito bonita”.
Hah! O elogio número um de um galanteador ela disse a si mesma. Ela
perscrutou no espelho novamente e viu um rosto redondo, nariz indistinto, cabelo
loiro limpo e sem graça e um semblante corado. Faltava muito para ser bonita.
Ela franziu o cenho para suas bochechas rosadas, pensando que talvez o manto carmesim
tivesse sido a escolha errada afinal.
“Vamos, você não pode passar o resto da vida aqui e desejando que tudo se
resolva sozinho. O jantar está ficando frio e estou ficando faminto de pé aqui
assistindo você”. Sua voz aprofundou enquanto acrescentava, “Você parece com um
bombom delicioso envolvido em papel vermelho, então a menos que você queira que
eu comece a te mordiscar—”
Ela correu para a porta. Ele colocou a mão no braço dela e a levou em
direção à sala de visitas. O braço dele parecia quente e forte sob a mão dela.
Ele parecia magnífico em suas roupas de noite.
Não que ela se importasse como ele estava.
Ele sorriu para ela abaixo, os olhos mornos. Ela deu a ele um sorriso frio e
cortês. Tranquilo. Cortês. Distante. Esse era o caminho para se lidar com a
situação.
Ela desejou poder usar a tiara da mãe, para criar coragem e ter sorte, mas
seria bastante impróprio para um jantar informal de família. Lua manteve a cabeça
bem erguida enquanto eles entravam na sala, todos olhando para eles.
Sr. Harry Morant, Sr. Rafe Ramsey, Sr. Micael Borges e o Sr. Nash Aguiar se
ergueram de suas cadeiras ao mesmo tempo. Ela piscou, não os tendo visto anteriormente
vestidos formalmente. Chay Suede estava no andar de cima, comendo com os
meninos, ela se recordou. Arthur tinha organizado que sempre houvesse alguém
com Nicky.
“Vocês estão aí, meus queridos”. Lady Gosforth, que estava usando seda castanho-oliva
e diamantes, foi adiante. “Fazem perder o ar, não fazem, vestidos assim todos formalmente.
Você deveria tê-los visto no regimento. Meu querido, as palpitações! Todas as
mulheres de dezenove até noventa anos. Agora venha, o jantar nos aguarda”. Comandando
Nash como sua escolta, ela foi à frente para a sala de jantar.
“Sei que devia ter chamado algumas mulheres para fazer pares”, Lady
Gosforth disse enquanto os criados vinham até a mesa, servindo sopa de
tartaruga em uma terrina de prata. Ela observou a mesa com satisfação. “Mas por
que dividi-los? Aumenta o apetite com toda essa beleza masculina na mesa, não
concorda, Senhorita Melanie?”.
Mel, que nunca teria pensado em tal coisa, mas julgando por suas bochechas
brilhantes, estava agora considerando a pergunta e foi poupada de uma resposta
por Arthur, que calmamente mudou de assunto.
“Pode interessar a todos vocês saber que a Princesa Maria e eu iremos nos casar
na próxima sexta-feira. Claro, todos estão convidados”.
Lua que tinha acabado de se forçar a tomar um pouco da sopa de tartaruga,
sufocou. Sob a dissimulação de bater levemente nas costas dela e oferecendo um
gole de seu vinho, ele murmurou, “eu não te adverti? Deve ser logo. Tempo é a
essência da questão”.
Lua deu um trago grande do vinho e tentou recuperar a compostura. “Sim,
sexta-feira”, ela disse tão brilhantemente quanto conseguiu. Ela estava ciente que
Mel olhava fixamente para ela com o queixo caído e relampejou um sorriso
brilhante. Mel saltou e a beijou, mas o lânguido enrugar entre suas
sobrancelhas dizia a Lua que ela estava preocupada. De todos, somente Mel sabia
a verdade sobre seu antigo casamento.
Houve um coro de parabéns. Cada homem se ergueu de sua cadeira e veio
beijar a mão dela. Lady Gosforth estava dividida entre a excitação e o horror: a
excitação de seu sobrinho casar e o horror do curtíssimo tempo.
Ela ordenou que o melhor champanha fosse aberto e na mesma respiração
repreendeu Arthur sonoramente por “apressar a pobre menina de forma que ela não
tivesse tempo nem para comprar suas roupas de noiva, muito menos organizar qualquer
recepção decente”.
Ele sorriu para Lua e ergueu a mão dela até seus lábios, o retrato da
impaciência de um amante. Seus lábios eram firmes e mornos. “Será apenas um
casamento pequeno e privado”, ele disse a tia.
Os olhos da Lady Gosforth arregalaram. “Pequeno e privado?”, ela olhou para
Lua e declarou, “você não pode querer um casamento pequeno e privado”.
“Oh, mas eu quero”, Lua a assegurou, “conheço pouquíssimas pessoas em
Londres e um casamento pequeno e privado seria perfeito para mim”. Quanto menos,
melhor. Ela tentou ignorar o modo como sua mão formigava onde ele a tinha beijado.
Ela a esfregou furtivamente com seu guardanapo, como se pudesse remover a
sensação e voltar a se acalmar.
Ela estava sendo estúpida, dizia si mesma. Tinha sido apenas um beijo.
“E uma recepção?”, Lady Gosforth exigiu.
Arthur franziu os lábios pensativamente, então concedeu, “Bem, talvez uma
recepção bem pequena”.
Nash acrescentou, “Apenas com os amigos íntimos e convidados mais
próximos”.
Lady Gosforth anuiu com a cabeça. “Muito bem então, uma festa pequena na
terça-feira seguinte, mas sem nenhum anúncio, será positivamente escasso, Arthur,
te advirto. E será, é claro, aqui”.
“Escasso será bom, Tia, obrigado”, ele disse. Lua se perguntou por que os olhos
dele estavam dançando. Assim como os de Nash. Até mesmo Harry que tinha dito muito
pouco, parecia um pouco divertido.
Alguma piada de família, sem dúvida.
“E você está verdadeiramente feliz com esse casamento quase clandestino?”, Lady
Gosforth perguntou a Lua.
“Oh sim. Obrigada”. Lua sorriu brilhantemente. “Bastante fel—muito feliz”.
Ela podia ver o enrugar entre as sobrancelhas de Mel assim que ela alargou o sorriso,
determinada a convencer sua amiga de que não havia nada para se preocupar. “Eu
tive um casamento muito grande uma vez, quando me casei com o príncipe de
Zindaria”, ela os lembrou. “Gostaria que esse fosse diferente”.
Lady Gosforth fungou. “Certamente será diferente”.
Eles fizeram vários brindes à noiva e ao noivo com champanha e então, agradecidamente,
o próximo prato foi trazido. Lua comeu quase tudo que tinha sido oferecido a
ela e saboreou quase nada. Arthur estava muito atencioso, passando a elas os pratos
e oferecendo a elas petiscos.
Atuando, ela se lembrou. É tudo encenação.
Afortunadamente ninguém parecia esperar que ela iniciasse a conversa. Todos
faziam planos. Planos para o casamento dela.
Lady Gosforth anunciou que levaria Lua e Mel às compras na manhã seguinte.
E “os meninos” entreteriam o filho de Lua e Jim.
E Lua se lembrou de que havia algo que tinha que fazer, antes das compras.
“Eu posso te ver em particular depois do jantar?”, ela sussurrou para Arthur.
Os olhos dele se aqueceram. “Claro. Você pode me ver onde e quando quiser”.
Ele disse isto com tom profundo e baixo, como se estivesse organizando um
encontro de amantes.
“Devemos conversar na biblioteca depois que os cavalheiros terminaram seu Porto
e juntaram-se às senhoras?”, ela sugeriu com voz baixa e profissional. Não
havia necessidade de fingir quando ninguém mais poderia ouvir.
Ele ergueu a mão dela e a beijou novamente. “Vou esperar ansiosamente”. Os
olhos dele acariciavam-na. O lugar onde os lábios dele tinham tocado a pele dela
parecia pulsar. Um calafrio passou por ela.
Gesto número quatro de um galanteador, Lua se lembrou. Ou era o cinco? Ou
seis.
Depois que as senhoras se retiraram para deixar os cavalheiros tomarem seu Porto
e fumarem charutos ou fazer o que quer que seja que os cavalheiros faziam depois
do jantar, Lua achou tempo para ter uma palavra com Mel.
Lady Gosforth tinha saído em um frenesi feliz de planejamento, consultando
com seu mordomo, chefe da cozinha, empregada e secretário. Lua se sentia um
pouco desconfortável em deixar uma estranha empreender o fardo de organizar o casamento
dela e sugeriu que ela mesma poderia organizar algo apropriado, mas Lady
Gosforth disse a ela, imediatamente, que ela não deveria pensar em tal coisa.
Era como se ela tivesse sido carregada de volta para casa, forçosamente, mas
o planejamento de eventos sociais era o ar que Lady Gosforth respirava, e a
senhora apenas se lamentava haverem tão poucas oportunidades para expor seus
talentos.
“Deixem isso comigo, minhas queridas. Sei exatamente o que fazer. Tudo o que
você tem que fazer é ser uma noiva radiante”. E ela saiu, deixando Lua e Mel sozinhas.
De fato, ela tinha que ser uma noiva radiante, Lua pensou e pegou Mel
observando-a. Ela deu a Mel um sorriso sentido. “Creio que você esteja se perguntando
o que causou tudo isto”.
“Eu não posso dizer que fico totalmente surpresa”, Mel admitiu. “Eu notei
uma certa intimidade se desenvolvendo entre você e o Sr. Aguiar”.
“Intimidade?”.
“Talvez eu devesse ter dito proximidade—não estava implicando em nada impróprio”,
Mel apressadamente se corrigiu.
“Não há nenhuma intimidade. Não é uma união de amor”, Lua explicou
depressa, incapaz de aguentar qualquer engano entre ela e Mel. Já era ruim o
suficiente ter que fingir ser uma noiva radiante para os amigos e conhecidos de
Arthur, ela precisava que pelo menos uma pessoa soubesse a verdade.
Duas pessoas, ela emendou. Três se contasse o Sr. Nash Aguiar. Os outros
poderiam suspeitar que este casamento precipitado tivesse algo a ver com a proteção
do filho contra o Conde Anton, mas Arthur estava fingindo estar muito feliz com
isto, então ela podia ao menos fingir estar feliz também. Mas não para Mel.
“Eu não quero que seja muito conhecido, por razões óbvias, mas você é minha
amiga mais antiga e mais querida, então quero que você saiba. O conde Anton
instituiu um movimento legal com o governo inglês para ter Nicky de volta a
Zindaria sob sua autoridade como regente”.
“Oh, minha querida!”, Mel fechou as mãos com horror.
“Sim, então o Sr. Nash Aguiar, ele é meio que um diplomata no governo, disse
que se eu me casar com Arthur—o Sr. Aguiar—me ajudará a manter Nicky aqui
comigo. É por isso que tem que ser tão rápido”.
Mel parecia pensativa. “Eu posso ver a lógica atrás disso tudo, e claro que
entendo que você deve fazer o que for preciso para proteger Nicky… mas você
pensou como isso te afetará a longo prazo?”.
“O que você quer dizer?”.
“Quero dizer… o que estávamos falando outro dia, como as coisas eram entre
você e o Príncipe Rupert”.
“Não. Não é igual mesmo”. Ela não deixaria ser. “Mel, querida, este
casamento não é nada além de um estratagema, uma—uma tática de xadrez. Está
tudo muito claro desde o começo”.
Os olhos de Mel estavam aflitos. “Você tem um coração terno, minha querida,
e o Sr. Aguiar é muito bonito e pode ser incrivelmente encantador e persuasivo”.
“Eu sei. E sabendo o quão encantador e persuasivo ele pode ser vai prevenir
que a mesma coisa aconteça novamente. Ele é encantador e persuasivo com todo
mundo—quando ele não está sendo dominante com suas opiniões, isto é”.
Mel não parecia convencida.
Lua continuou, “eu não sou a menina tola de antes. Fui casada por nove
anos. Agora sou uma mulher madura de vinte e cinco e deixei todas as tolices para
trás”.
“Será que deixamos as nossas tolices realmente para trás?”, Mel
perguntou-se um pouco melancolicamente.
“Não posso falar por todas as mulheres, claro”, Lua disse com toda a
confiança que desejava que tivesse. “Mas posso falar por mim mesma. Agora eu realmente
entendo como é um casamento de conveniência e posso evitar quaisquer
armadilhas. E eu sei lidar com o Sr. Arthur Aguiar”.
Logo depois dos cavalheiros se reuniram com as senhoras, Lua se ergueu e
pediu licença. Todos cavalheiros se ergueram e ela se sentiu ridiculamente
tímida, como se estivesse usando uma placa dizendo que iria para um encontro secreto
com seu amante.
Mel imediatamente ficou de pé, também, e disse à Lady Gosforth que se ela não
se importasse, ela tinha que subir e preparar algumas lições. Lady Gosforth
disse a ela que entendia e que tinha listas a fazer.
Era um sinal de que a noite tinha acabado. O irmão de Arthur, Nash, e os outros
amigos pediram licença e Arthur foi até a rua para se despedir deles.
Lua subiu apressada para sua alcova, pegou um pano, e voltou até a
biblioteca para esperar. Alguns minutos mais tarde a porta foi aberta e Arthur
entrou.
Eles se acomodaram em uma longa poltrona. “Agora, o que você queria discutir?”.
“Se nós formos fazer compras amanhã, eu precisarei de dinheiro”.
“Sim, claro”. Ele estendeu a mão para o bolso e retirou um maço de notas.
Ela o olhou fixamente. “Não, eu não quis dizer que você deveria me dar
dinheiro. Eu queria pedir que você trouxesse um pouco para mim. Papai me deixou
dinheiro em confiança, mas levará algum tempo até que os advogados me deem.
Enquanto isso eu precisarei de dinheiro”.
Ele parecia muito chocado. E intrigado. “Como você quer que eu faça isto?”,
ele não tinha guardado ainda o dinheiro.
“Eu quero que você venda algumas joias para mim”. Ela tirou o tecido enrolado
e mostrou a ele as joias que tinha separado, desejando que elas fossem
suficientes.
Ele se curvou acima do tecido, fascinado. “Isso é o que eu penso que é?”.
“Que parte você quer dizer?”.
“Essa”. Ele pegou o tecido e o ergueu para demonstrar. Ela conseguiu pegar
as joias soltas antes que caíssem no chão.
“É!”, ele exclamou. “É uma anágua!”.
Ela a tirou das mãos dele.
“Então você estava contrabandeando afinal”, ele disse. “Vou me casar com
uma linda contrabandista de joias”.
“Eu não estava contrabandeando”, ela retrucou embaraçada, empacotando a
anágua. “Eu tive que costurá-las na anágua por medo de ladrões”.
“Algumas pessoas chamariam a Alfândega e os oficiais de Impostos e o que eles
cobrariam seria uma espécie de roubo, mas não vamos discutir isso”. Ele
observou o restante ainda costurado na anágua. “Essa seria uma das razões do Conde
Anton estar procurando você?”.
“Não! São as minhas próprias joias. Nenhuma deles pertence à casa real de
Zindaria—e você não precisa me olhar assim, elas não pertencem”.
“Eu estava simplesmente pensando como a indignação faz os seus olhos brilharem
mais do que qualquer esmeralda”.
Ela decidiu ignorar. Ele era um mestre na arte da distração.
“Estes são todas as joias que papai ou Rupert me deram: por meu noivado,
casamento, aniversário e outras ocasiões. Meu marido sempre foi muito claro e
específico sobre as coisas que pertenciam a mim, pessoalmente, as joias de
família, e as que pertenciam à coroa. Eu trouxe apenas aqueles que me pertencem,
pessoalmente. Estas pérolas, por exemplo, papai me deu no meu décimo sexto
aniversário. Eu as usei no meu casamento”.
“Então você certamente não vai vendê-las”.
Ela olhou para ele com frustração. Nesta mesma tarde ele tinha prometido
que não iria se meter nas decisões dela e agora, aqui estava ele discutindo com
ela. “Eles são minhas e posso vendê-las”.
“E se você tiver uma filha?”.
Ela olhou fixamente para ele surpresa. “Eu não irei”. Ela tinha um filho de
nove anos do casamento, e agora estava entrando em um casamento no papel. Como
ele imaginava que ela poderia ter outra criança?
Ele contraiu a mandíbula obstinadamente. “Você poderia. E mesmo que não
tenha, quando Nicky tiver uma noiva, você não gostaria que ele desse as pérolas
da mãe dele para que a noiva use no casamento? Ou se um dia ele tiver uma filha
que fará sua festa de debutante na sociedade como adulta, ela não se sentiria
especial usando as pérolas de sua avó?”.
Ela hesitou. Ela não tinha pensado que Nicky gostaria de algumas de suas joias.
Ela apenas tinha pensado nelas como capital para começar uma nova vida. “Por
que você se importa?”.
Ele encolheu os ombros e desviou o olhar. “Eu sei que as mulheres podem ser
sentimentais sobre essas coisas. Assim como a sua tiara. Importa para você porque
pertenceu a sua mãe”.
“Sim, verdade”.
“Então você não pensaria em vendê-la”.
Ela riu. “Não, eu não iria, mas não pela razão que você está imaginando”.
“Por que não?”.
“Porque os diamantes da tiara da minha mãe são de zircônia”.
O queixo dele caiu.
“Eu te disse que a minha mãe não tinha um título muito distinto, a família dela
era muito pobre—e todas as joias eram de zircônia. Mas tinham uma qualidade
muito boa e enganam a todos, menos um perito”. Ela sorria amplamente. “Como mamãe
costumava dizer: ‘Nós somos, afinal, a realeza; se as minhas joias são de
zircônia, então que sejam da melhor zircônia da Europa’”.
Ele riu. “Acho que gostaria da sua mãe”.
“Sim, ela era adorável”, ela disse vagamente.
“Quando ela morreu?”.
“Quando eu era ainda uma menininha. Um acidente com um cavalo. Papai tinha
se casado com ela porque ela era uma princesa, mas acho que eles posteriormente
se apaixonaram. Eu sempre gosto de achar, de qualquer maneira”.
Ele não disse nada, mas ela podia sentir seu olhar nela.
“Papai sempre quis que eles fossem substituídos por diamantes reais, mas eu
nunca quis, porque não seria mais a tiara de mamãe”.
Ela respirou fundo e retornou ao assunto em questão. “Mas devo vender
algumas destas joias e como ainda não conheço Londres, preciso de sua ajuda”.
“Por que você precisa de dinheiro?”, ele exigiu.
Ela olhou fixamente para ele. “Que pergunta estúpida! Porque preciso. Para
começar, vou fazer compras amanhã”.
“Você não precisará de dinheiro para isto. Mande-os enviarem as notas para
cá. E para quaisquer quinquilharias, aqui”. Ele começou a pegar algumas de suas
notas.
“Não, pare com isto”, ela disse a ele. “Não é justo. Por que você deveria
gastar seu dinheiro para comprar as minhas roupas?”.
Ele disse por entre dentes cerrados. “Porque você vai se tornar minha
esposa e um homem dá tudo a sua esposa”.
“Eu serei uma esposa somente no papel”, ela começou, então disse
apressadamente como um olhar especulativo que de repente iluminou os olhos dele,
“e se você tentar demonstrar que sou de carne e osso, Arthur, vou te bater! Estou
sendo séria aqui e você me prometeu esta tarde que você não mandaria nas minhas
opiniões”.
“Eu não estou”, ele disse. “Estou te escutando”.
Ela revirou os olhos.
“Estou meramente discutindo as opções com você”, ele explicou.
“Bem, escute isto: eu já te devo o suficiente, sem ter nas costas o peso
das próprias roupas que estou usando. Tenho meu orgulho, da mesma maneira que
você”.
“Entendo”, ele disse tranquilamente.
“Assim como roupas para mim mesma, Mel e Nicky, e precisarei de dinheiro
para cobrir as despesas da festa de casamento”.
Ele cruzou os braços novamente. “Isso não deve ser pago por você”.
“Sim, deve”, ela discutiu, frustrada. “Se isto fosse um casamento normal,
minha família pagaria pelo casamento e a recepção. É a tradição: a família da
noiva paga”.
“Sim, mas você é uma viúva sem família próxima. Além disso, minha tia não
vai gostar nada — se você ou eu—tentássemos reembolsá-la. É um prazer para ela,
seu presente para nós”. A linha teimosa do queixo dele tinha voltado.
“Não existe nós”.
“É mesmo?”, ele disse. “Para mim, parece muito que existe. Essa é a questão
chave do casamento”.
Ela fez uma careta, perguntando-se se ele realmente queria dizer isso. E
por que ele continuava se referindo a isso como um casamento, quando realmente,
era apenas um matrimônio. “Mas—”
“Não, você está com a razão, no momento nós somos duas entidades separadas”,
ele disse furiosamente. “Isto somos
nós”. E ele a beijou. Completamente. E muito possessivamente.
Ela saiu do abraço aturdida mas determinada a não demonstrar. Ela poderia
lidar com isto—com ele.
“Pare com isto—você não vai me distrair do meu propósito. Se você não me
ajudar a vender as minhas joias, acharei alguém que me ajude”.
Ele a encarou por um longo momento. “Você é um mulher exasperantemente teimosa”,
ele disse afinal. “Muito bem, dê-me as porcarias. Levará algum tempo para concluir
as vendas, então enquanto isso mande enviar as contas para mim neste endereço—e
sim, eu manterei uma conta separada já que você insiste tanto—e pegue isso como
dinheiro adiantado”.
Ela dobrou as notas que ele entregou a ela, colocou-as em sua bolsa e deu as
joias a ele. As pérolas, também. Elas teriam um preço muito bom, ela sabia. Uma
mulher que fazia um casamento no papel por questões políticas com um homem que conhecia
há menos que duas semanas não podia se dar ao luxo de ser sentimental.
Ele viu as pérolas entre as joias e seu rosto se escureceu. Ele
cuidadosamente as separou do monte de joias que ela tinha dado a ele e as
colocou de volta em seu colo.
“Eu posso concordar que você venda um pouco de suas quinquilharias preciosas,
mas não estas”, ele rosnou. “Há limites”.
“Você não escutou nada do que eu disse?”, ela começou.
“Eu escutei tudo”, ele disse brevemente. “E eu venderei estas outras malditas
coisas, já que você insiste—apesar de que isso vá muito contra a minha natureza.
Mas as pérolas que o seu pai te deu no seu décimo sexto aniversário não estão à
venda. Elas são para sua filha, ou sua neta. Você não vai sacrificar tudo, droga!”.
Ele marchou para fora do cômodo, deixando-a com o colo cheio de pérolas e
um bolo na garganta.
De manhã eles despertaram com um suave e constante chuvisco. O tempo não
afetaria as compras, mas os planos de levar Nicky e Jim para uma lição de
equitação no parque tiveram que ser adiados. Porém, como uma visita até a Torre
de Londres para ver os animais selvagens, seguido por uma excursão para o Afiteatro
Astley teve sua vez e os meninos não ficaram muito desanimados.
Lady Gosforth mandou buscar Giselle, sua própria fabricante de mantos, vir
e medir Lua e Mel de cima a baixo, e escolher os modelos do vestido de noiva e os
outros vestidos.
Giselle, uma mulher francesa elegante e de aparência ácida ergueu as mãos
com horror. “Mas milady, isso não serrr possível—isso
tão em cima da hora!”.
Lady Gosforth ergueu uma sobrancelha. “Nem mesmo para um casamento real,
Giselle—o casamento real ‘secreto’ da Princesa Maria de Zindaria?”, ela fez um
gesto descuidado. “Nesse caso teremos que chamar a madame—”
Giselle visivelmente derreteu. “Um casamento real? Non, non. Eu falei sem pensar”, Giselle disse
apressadamente, os olhos pretos afiados avaliando Lua rapidamente. “Eu acabei
de me lembrar que tive justamente um cancelamento. Tenho assistentes que cuidarão
dos outros assuntos”. Ela estalou de repente os dedos e o assistente saltou adiante
com a fita de medição. “Eu mesma me dedicarei à princesa”.
Lua e Mel foram pegas em um vendaval de modelos e escolhas. Lua teve que
ser firme, para se recusar a ordenar o número de vestidos que Giselle e Lady
Gosforth a asseguravam de que ela necessitaria.
Giselle logo lamentou seu súbito cancelamento quando a princesa pareceu
lamentavelmente desinteressada com as últimas novidades da moda.
“Eles são muito ornamentados”, Lua insistiu. “Olhe, este modelo parece mais
com um bolo do casamento do que com um vestido”.
Mas depois de um pouco de discussão, elas finalmente decidiram o modelo do
vestido de noiva. Seria feito em cetim café
au lait, com um corte muito simples com um pouco de renda nas mangas e no pescoço.
Giselle ficou apaixonada com uma manga com babados e trançados em cetim branco e
café em torno da bainha e pescoço, cobrindo completamente as mangas pequenas,
mas Lua não deixou. Ela tinha concordado com uma manga trançada, mas nenhuma firula.
“Eu não quero parecer desalinhada e antiquada”, ela disse a eles, “mas meus
vestidos serão como eu mesma escolher. E não serão frívolos. Eu não sou uma
pessoa frívola”.
Giselle deu uma fungada que indicava que concordava completamente. Não era
um elogio. A realeza, a fungada dela deu a entender, não era mais o que
costumava ser.
Elas lojas de tecido com Giselle, onde selecionaram dúzias de comprimentos
de tecidos para a confecção dos vestidos. Ela e Mel os experimentaram, embrulhando
mais e mais tecidos coloridos —seda e cetim para Lua, Mel obstinadamente dizendo
que precisava de bombazine, algodão e lã.
Elas se enfeitaram como garotas jovens com todas as cores, e Lua provocou Mel
com um vestido de seda azul para o casamento, dizendo, “destaca a cor dos seus
olhos, Mel”, e então pegando-a desprevenida, “oh, Chay amará vê-la usando!”.
A pobre Mel corou furiosamente e pôs de lado a seda azul. Lua comprou-a
secretamente.
Ela se sentiu terrível com o deslize. Mel tinha uma queda pelo grande irlandês, ela sabia, mas os dois sabiam que não havia
nenhuma possibilidade de uma união entre duas pessoas tão diferentes e com posições
sociais também tão diferentes. Tinha sido descuidado e cruel da parte dela
sugerir que pudesse existir qualquer coisa entre eles.
Lua ordenou vestidos em cores vivas e brilhantes; vestidos para manhã em
rosa, castanho e pêssego. Ordenou um vestido para passeio em castanho, cambraia
dourada e outro azul celeste; um capote sem manga de cor esmeralda com enfeites
escarlates e brancos; uma jaqueta azul com cetim branco que balançou um pouco o
coração dela, tal sua beleza.
A favorita de todas as novas compras tinha sido um capote escarlate de lã
boa com capuz de seda preta aveludada elegante, para substituir o capote que
ela havia deixado no navio. Ela segurou o tecido contra si e se examinou no
espelho, e ouviu, você parece com um
bombom delicioso envolvido em papel vermelho…
Ela esvaziou a memória e estava a ponto de escolher um tecido castanho mas
mudou de ideia. Ela nunca tinha usado algo vermelho antes. Por que deveria deixar
que as palavras dele parassem-na? Além disso, ela gostava de sentir como um
bombom.
Eles compraram meias-calças em seda e algodão; ordenaram novos coletes e
compraram camisas, anáguas, calçolas e camisolas.
“Você não vai comprar isso!”, Lady Gosforth exclamou uma hora.
“Sim, e por que não?”, Lua tinha selecionado várias camisolas de algodão e
uma de flanela. “Elas durarão bastante e são quentinhas”.
Lady Gosforth estava tão chocada que não conseguiu falar por um minuto
inteiro. “Não se compra uma camisola pelo calor e durabilidade! Não na sua idade,
e não quando você vai virar uma noiva!”.
“Eu compro”, Lua disse firmemente e comprou as camisolas que tinha escolhido.
Lady Gosforth deu uma fungada que
excedeu a de Giselle em desprezo pelo estado atual da realeza, mas Lua não se
importou.
Ela queria ostentar no tipo de roupas que desejava, mas também estava
ciente da necessidade de ter um guarda-roupa tão conservado e flexível quanto
possível. Ela estava se divertindo. E não era responsável por ninguém. Era
emocionante.
Na noite antes de seu casamento, Lua despertou no meio da noite com o som da
chuva caindo, tamborilando continuamente nas vidraças e gorgolejando pelos canais
abaixo.
Não tinha sido a chuva que a despertara. Tinham sido os sonhos. Sonhos com beijos.
Os beijos perturbadores que a despertaram quente na noite e com a camisola colada
ao redor do corpo.
Era muito difícil encarar um beijo de forma calma e objetiva, especialmente
com o modo como Arthur beijava.
Ela desejava que ele beijasse como Rupert.
Não, ela não desejava.
Ela não sabia o que buscava.
Sim, ela sabia. Mas não iria acontecer. Isto seria um casamento no papel,
uma manobra, uma estratégia de xadrez. Assim que o Conde Anton fosse derrotado,
estaria tudo terminado. Eles iriam seguir caminhos diferentes, casados, mas com
vidas separadas.
O Conde Anton seria derrotado algum dia?
Ela escapou da cama. Não devia insistir em coisas sombrias. Só porque era
noite e estava chovendo não significava que ela tinha que ficar triste, também.
Ela colocou os pés nos chinelos muito grandes que ainda tinha da Sra. Barrow e foi
até a janela. Puxou as cortinas, e olhou.
A chuva tinha suavizado de seu aguaceiro pesado inicial. Agora continuava
com um chuvisco fixo, fazendo correrem riscos vidraça abaixo, gotas de água se encontrando
e se juntando, ficando intensas novamente. Como as pessoas.
Arthur seguiria seu próprio caminho um dia, também. A valentia desinteressada
e pura não duraria muito.
As luzes do gás das lamparinas na rua ardiam através da chuva como halos
dourados felpudos ardendo na escuridão. A chuva gotejava das beiras dos
telhados, a luz das luminárias de gás era como uma série de pérolas douradas.
Ela olhou de relance para suas pérolas, sentando à penteadeira onde as
tinha colocado, e as ergueu. Fazia tanto tempo que ela as tinha colocado ao
redor do pescoço várias vezes. Tão puras e perfeitas esferas. Ela as deslizou pelos
dedos, admirando o brilho, a luxúria e a sensação delas, e se lembrando.
A primeira vez que ela as tinha usado tinha sido na festa de seu décimo
sexto aniversário. Ela as tinha usado alguns dias mais tarde, em seu casamento com
o lindo príncipe dourado, a materialização de todos os seus sonhos em um só.
Ela não usara as pérolas por anos. Não desde o dia em que tinha visitado Rupert
no bosque.
Mas elas eram bonitas. Ela se recordou das palavras de Arthur, mas as pérolas que o seu pai te deu no seu
décimo sexto aniversário não estão à venda. Eles são para sua filha, ou sua
neta.
Ele estava certo, ela decidiu. Não era culpa do pai dela, nem das pérolas,
que Rupert não a tivesse amado. Ela as manteria para sua futura neta. E
enquanto isso as usaria novamente, começando pelo seu casamento na manhã
seguinte, um gesto de fé no futuro.
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