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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cap 8-2 "A Princesa Roubada"


Parte 2

Era culpa dela ele estar assim machucado. Ele tinha ficado assim por ter defendido Mel dos homens do Conde Anton. Sua raiva enfraqueceu e a culpa assumiu o lugar.
“Não faça isto”, ele disse a ela.
“O quê?”.
“Morder os lábios assim. Eles são uma obra de arte, estes lábios, e não devem ser mordidos ou estropiados. Mordiscados ternamente, talvez. Eu te mostrarei como, mais tarde”.
Lua encarava-o, incapaz de pensar em uma coisa única para dizer. Uma obra de arte? E então ela percebeu que ele tinha se oferecido para mordiscar os lábios dela. Ela lutou contra o rubor.
“Já chega de travessuras, Sr. Thur. A moça estava muito preocupada com você”, a Sra. Barrow disse. “E você, madame, não leve isso a sério”. Ela indicou o torso masculino danificado. “Eu tenho cuidado dele e de Harry desde que eles eram da altura do meu joelho até ficarem enormes. Contanto que ele haja assim, está bem”.
Lua se consolou com as palavras da mulher. Ela podia ver a diabrura dançando no olho azul que ele conseguia manter aberto. Então enquanto Sra. Barrow tocava de leve nos cortes e arranhões com uma mistura de vinagre e água salgada quentes, ele explicou o que tinha acontecido.
Ele tinha sido pego quase totalmente debaixo da cômoda tentando pegar o gato. Um bandido com fino bigode dourado tinha exigido que ele mostrasse uma princesa. “Como se eu tivesse escondido uma debaixo da cômoda!”, ele ridicularizou.
“Essa era o Conde Anton”, Lua confessou, “eu sou a princesa que ele está atrás”.
“Eu sabia. Princesa Lua Maria de Zindaria”.
Os olhos dela se arregalaram. “Como você soube?”.
Ele deu de ombros. “Os cavaleiros de Zindaria e seus cavalos selvagens lendários têm sido um interesse de meu irmão que Harry há anos, então eu já tinha descoberto de onde você veio baseado nas minhas conversas com Nicky. E quanto a você ser uma princesa? Bem, já que o pai de Nicky era um dos homens superiores, uma coisa levou a outra”.
O queixo da Sra. Barrow caiu. Depois de um momento atordoado ela bateu o pano molhado contra o peito dele. “Se você sabia que ela era uma princesa, deveria ter me advertido”, ela ralhou. “Eu não a chamaria de querida! E você não deveria estar sentando aqui, metade nu, na frente dela”.
“Eu não me importo”, Lua disse, significando que ela não se importava de ser chamada de querida.
Os lábios dele se moveram de modo peculiar. Ele piscou e Lua corou, percebendo que suas palavras podiam significar também que ela não se importava de vê-lo quase nu. Apesar de que ela não teve a intenção de dizer isso, não era mentira.
Mesmo surrado e coberto de cortes, o corpo dele fascinava-a.
A Sra. Barrow o cutucou. “Não pisque para princesas. Eu sinto muito, Sua Alteza, mas ele não foi educado para ser assim tão sem modos. Foi o tempo que ele passou em terras estrangeiras. Erga-se que eu vou verificar as costelas quebradas”, ela ordenou. Ele ergueu os braços para ela, e ela cutucou cuidadosamente ao longo da linha de cada costela.
Lua assistiu ansiosamente.
A Sra. Barrow notou. “Não se preocupe, Sua Alteza”, ela assegurou Lua. “Não há nada quebrado. Parece pior do que está”.
“Mas—”
“Ele passou por coisas muito piores e sobreviveu, Sua Alteza. Ele é como um gato. Além disso, nunca está feliz quando não está em apuros, o Sr. Thur. Ele estava totalmente entediado, Sua Alteza, antes de você chegar. Totalmente entediado e miserável. Culpando-se por coisas que não eram sua culpa. Vire-se”.
Ele girou. “Eu nunca acreditei que seu nome era Prinny”, ele disse a Lua. “Você é uma péssima mentirosa”.
“Então por que você não disse nada?”.
“Você estava tão determinada a fingir que eu não quis dizer nada”.
Ela fez um gesto impaciente. “Não, não para mim—para o Conde Anton”.
As sobrancelhas dele se ergueram rapidamente. “Você quer dizer por que eu não disse a ele onde você estava?”.
Ela concordou com a cabeça. “Teria te salvado… disto”. Os olhos dela desceram pelo corpo contundido e danificado dele.
Ele olhou fixamente para ela durante um longo momento. “Sim, por que eu não pensei nisto? Afinal, o que é a segurança de uma mulher e uma criança, quando eu poderia ter evitado sofrer algumas contusões. Eu me lembrarei disto da próxima vez”.
“Espero que não haja uma próxima vez”, ela murmurou, baixando os olhos para fugir do olhar dele. Houve um curto silêncio.
“Você sabe que vai haver um confronto”, ele disse a ela.
Ela agitou a cabeça. “Eu já trouxe problemas suficientes para Mel, e agora para você. Tenho que partir”.
“E o quê?”.
“Esconder”.
“De novo? E quando ele te achar de novo—se ele é capaz de te localizar através da Europa vindo de Zindaria, ele não vai desistir aqui! E então, o que vai fazer—fugir e se esconder novamente? E de novo? E de novo? É assim que você quer que o jovem Nicky viva?”.
Houve um curto silêncio. A Sra. Barrow olhou de relance para Lua. Ela não disse nada, mas Lua sabia que ela concordava com Arthur. Lua também concordava, no que dizia respeito a esse assunto, mas o que mais ela poderia fazer?
“Pelo menos ele estaria vivo. Se tivesse ficado em Zindaria, Nicky já estaria morto a essa hora!”.
Ele concordou com a cabeça. “Sim, veneno”.
Ela estava chocada. “Como soube disso?”.
“O modo como vocês dois reagiram ao leite quente ontem à noite”.
Lua olhou de relance para a porta. Os meninos estavam ainda na lagoa. “Houve várias tentativas de matar Nicky nos últimos meses”, ela disse a ele. Foi um alívio conversar sobre ele com alguém que parecia levá-la seriamente. “Estou certa de que a morte do meu marido não foi nenhum acidente, também, porém não tenho nenhuma prova”.
Ele anuiu com a cabeça.
“O filhote de cachorro foi a gota d’água. Eu dei a Nicky um filhote de cachorro—seu primeiro”. Ela olhou de relance para Thur. “Ele ama cachorros, mas seu pai nunca o deixara ter um, não até que ele pudesse—bem, isso não importa”.
Rupert prometeu a Nicky um filhote de cachorro quando ele aprendesse a montar a cavalo. Mas Nicky não conseguia, não com sua perna ruim. Rupert colocava o pequeno menino em um de seus grandes cavalos selvagens, dava as rédeas a Nicky e um bofetão na anca do cavalo.
O cavalo se movia e Nicky tentava montá-lo, mas sua perna não tinha força e depois de saltar um pouco ele caía. O pai o levantava e colocava de volta no cavalo, e novamente Nicky caía, o pai o levantava, e ele caía, repetidas vezes até que o seu pequeno corpo estivesse coberto com contusões e ele mal pudesse caminhar.
Nada que ela dissesse a Rupert tinha o mínimo efeito. Lua implorou e pediu, então ficou furiosa e injuriante, mas não fazia nenhuma diferença. Ela era apenas uma mulher tola e medrosa e ele era o príncipe: a palavra dele era lei.
Isso continuou por vários anos, até que Nicky tinha horror a cavalos, sabendo que seria machucado. Mas ele nunca recusou; tentava o seu melhor todas as vezes, mas sempre se machucava, e nenhuma vez chorou.
O pai não cedeu, nem mesmo louvou a coragem de Nicky. Um príncipe de Zindaria nunca deveria falhar.
Nicky parou de pedir um filhote de cachorro. Não daria em nada; ele nunca montaria um cavalo no pelo.
Então, um ano após a morte do pai, ela deu a ele um filhote de cachorro.
“Claro que ele o levou para seu quarto”. Ela deu um sorriso sentido. “Você viu como ele é com o seu cachorro. Amor à primeira vista”.
Ele concordou com a cabeça. “Ainda mais se fosse com um filhote, especialmente se fosse o primeiro”.
“Eu sempre levava leite quente para a cama dele. Naquela noite, em vez de beber o leite ele mesmo, ele o deu ao filhote”. Ela tentou permanecer tranquila na medida em que dizia, “Morreu. Horrivelmente. Nos braços do meu pequeno menino”. O rosto enrugado, lembrando-se do pesar desesperado de Nicky, e ele se culpando pela morte do filhote.
Ela retirou um lenço e soprou o nariz. Ela não iria chorar sobre isto, não ia. Estava furiosa.
“Quem preparou o leite?”, ele perguntou quando ela se dominou.
Ela deu a ele um olhar desolado. “Eu. Eu mesma o aqueci, e o levei para ele. Nenhuma outra pessoa o tocou, ou tocou a xícara depois que eu a lavei”.
Ele franziu o cenho. “Então como eles fizeram isto?”.
“Ele envenenaram o jarro inteiro de leite. Um dos empregados pôs um pouco no próprio chá. Ela ficou muito doente, apesar do ser ter bebido algumas gotas, e não a xícara inteira”. Ela estremeceu e envolveu o corpo com os braços. “Ele não se importava com quantas pessoas mataria, desde que Nicky morresse, também”.
“O Conde Anton?”.
“Sim, ele é próximo na linhagem para o trono depois de Nicky”.
A Sra. Barrow deu um estalo com a língua. “Quanta maldade!”.
Lua concordou com a cabeça. “Ele é realmente do mal”.
“Foi quando você fugiu”.
“Sim, eu já estava pensando em escapar há algum tempo, mas quando isso aconteceu, soube que teria que agir”.
“Você não tentou prender o Conde Anton?”, Thur perguntou.
Ela ergueu as mãos. “Claro que sim. Eu disse ao Conde Zabor—Tio Otto—ele é tio do meu marido e do Conde Anton, atualmente é o regente, governando ao lado de Nicky até que ele faça dezoito anos”.
Ela ergueu as mãos em frustração. “Tio Otto pensa que eu sou apenas uma mulher tola. Ele pensa que mimo Nicky demais, e que ‘preocupo a minha cabecinha com besteiras’”. Ela imitou a voz dele. “Fico tão brava com o modo como todos eles pensam que sabem muito mais do que eu”.
“Quem você quer dizer por ‘eles'?”.
Ela mostrou os dentes para ele. “Homens, claro”.
“Claro. Suponho que você tenha mostrado a eles o leite envenenado”.
“Não, porque quando a empregada da cozinha ficou doente, os outros empregados jogaram o leite ruim fora. Eu não podia provar nada. Mas sabia que tinha sido o Conde Anton, ele não estava nem no palácio no momento. Além disso, veneno é uma arma tão improvável de ele usar. Ele é conhecido e temido pelo seu temperamento incontrolável…”
Ela encolheu os ombros e o imitou, “‘Leite estraga às vezes, e as pessoas ficam doentes, Princesa. E filhotes de cachorros jovens tomados muito cedo da mãe podem morrer. Isto é triste, Princesa, mas é a vida’”.
Ela olhou para ele e acrescentou ferozmente, “Mas o filhote de cachorro não era muito jovem para deixar a mãe. E o leite estava envenenado. Então, sim, eu fugi e fugirei, se isso mantiver meu filho vivo. Que outra escolha eu tenho?”.
“Você não pode continuar fugindo. O Conde Anton deve ser parado”.
Ela anuiu com a cabeça. “Sim, eu sei que deveria atirar nele, mas não acho que conseguiria matar um homem a sangue frio. Se ele estivesse atacando Nicky, eu poderia, claro, mas—”
Os lábios dele se contraíram. “Não foi isso o que eu quis dizer”.
“Você quer dizer que eu poderia pagar alguém para matá-lo? Eu sei, mas isso me deixaria no mesmo nível que o Conde Anton. E eu não quero que meu filho tenha uma mãe assassina”. Ela franziu o cenho e olhou para ele indignada. “Além disso, eu não quero ser uma assassina”.
“Estou muito contente por ouvir isto”, ele disse divertido. “E não olhe para mim assim, eu não sugeri que você devesse assassinar ninguém”.
“Então o que você quis dizer?”.
Ele deu a ela um longo olhar. “Eu tenho um plano”, ele começou.
“E nós temos dúzias de sanguessugas!”, o príncipe herdeiro de Zindaria anunciou da porta. “E alguns delas ainda estão em mim!”, um sorriso largo dividia seu rosto. Lama e água pingavam dele. Estava totalmente imundo, e mais feliz do que… ela jamais tinha visto.
“Nicky, olhe para você!”, Lua exclamou. “Eu pensei que Mel—”
Mel apareceu na entrada. Lama e água pingavam dela. Ela, também, estava totalmente imunda. “Eu tentei impedi-los de cair, realmente tentei. Mas deslizei”. Ela encontrou o olhar de Lua e começou a dar uma risadinha. “Nunca fiquei tão suja em toda a minha vida”.
Chay entrou. Também estava coberto de lama. “Meu novo casaco, também”, ele disse, tristemente olhando abaixo para o artigo de vestuário endurecido de lama. “A senhorita Mel caiu tentando salvar Nicky e eu caí para tentar salvá-la”.
“Eu não caí, mesmo”, Jim anunciou orgulhosamente. “Peguei as sanguessugas. Aquelas que ‘pudia’ ver, de qualquer maneira. Aqui ‘tão’”. Ele deu um jarro contendo um monte de sanguessugas pretas que se contorciam. Lua se sentia repugnada ao olhar para elas.
“O que você quer dizer, com as que podia ver”, Mel disse de repente. “Você quer dizer que eu ainda posso ter algumas daquelas criaturas repugnantes em mim?”.
“Pode ser”, Jim disse alegremente. “Você se mexeu muito na água e elas adoram isso. E não me deixou olhar as suas pernas, lembra?”.
“Ela não me deixou olhar, também”, Chay murmurou.
Mel deu a ele um olhar severo. “Isso mesmo”. Ela girou para Lua. “Devo ir imediatamente para cima. Você poderia me ajudar, por favor?”.
Tirar aquelas coisas terríveis e ofensivamente vis de alguém? Alguém cuja carne eles se agarraram, cujo sangue eles estavam sugando? Ela sentiu a garganta fechar com o pensamento.
Mas alguém tinha que ajudar a pobre Mel. Havia apenas ela e a Sra. Barrow. Ela olhou para a Sra. Barrow, que estava cuidando dos machucados de Arthur.
Ela podia enfrentar qualquer quantidade de sangue sem se importar, mas aquelas coisas pretas, horríveis… Ela sentia náuseas só de pensar.
Ela girou para a Sra. Barrow e com o máximo de cortesia, com sua maneira mais formal disse, “Sra. Barrow, se importaria de ajudar a senhorita Melanie? Eu cuidarei dos machucados do Sr. Aguiar”.
“Sim, claro que irei, queri—Sua Alteza”, a Sra. Barrow disse. “Você ficou verde, não é? Senhorita Mel, suba e tire a roupa molhada do corpo. Tome esta pomada”. Ela pegou um pote pequeno de Jim e o deu para Mel. “As sanguessugas odeiam esse cheiro; um toque e elas te soltarão imediatamente, sem nenhum dano para você ou para elas. Cuidarei do Sr. Thur aqui, e então subirei e colocarei em qualquer lugar que a senhora não possa ver”.
Ela girou para os meninos. “Vocês meninos vão para cima com o Sr. Suede. Coloquem roupas limpas e tenham certeza de que nenhuma sanguessuga permanecerá em algum de vocês”. Ela deu a Chay outro pequeno pote e deu a eles um olhar que fez com que os três saíssem humildemente.
“Se a Sra. Barrow tivesse sido um General, eu não teria ficado na guerra por oito anos”, Thur disse para ninguém em particular.
“Certo, vamos ver você”, a Sra. Barrow disse. Ela colocou a mão no jarro e pegou várias sanguessugas. Eles pareciam lombrigas escuras e magras.
O estômago de Lua balançou quando a Sra. Barrow colocou as criaturas contra a pele inchada e sem cor embaixo do olho ferido. As criaturas imediatamente se agarraram a carne tenra.
Lua estremeceu e se virou. “Não dói?”.
“Nem um pouco. De fato, não posso sentir coisa alguma”, ele disse animado.
Depois de alguns minutos a Sra. Barrow disse, “Bom, isto é tudo. Agora, Sr. Thur, você sabe o que fazer—pode perceber que Sua Alteza não suporta essas coisas—pelo modo como eles se agarram às pessoas, eu sei. Quando elas terminaram, coloque-as no jarro novamente. Há um comércio de sanguessugas e o jovem Jim poderia ganhar alguns trocados com elas. Verei como os outros estão e então voltarei para fazer o resto”.
“Sou perfeitamente capaz de cuidar das feridas”, Lua disse se sentindo envergonhada pelo seu estômago fraco. “Diga o que é preciso ser feito depois que aquelas criaturas acabarem”.
“Se você realmente não se importa, Sua Alteza”. A Sra. Barrow passou um jarro. “Esfregue esta pomada nos cortes e contusões nas costas dele. Ele pode fazer a parte da frente sozinho, mas não pode alcançar as costas”.
“Claro que eu não me importo. É minha culpa ele ter se ferido em primeiro lugar”, Lua disse.
“Esfregue bem. É uma mistura especial minha. Ajudará a diminuir o inchaço e a curar mais rápido. Mas tem que ser depois que as sanguessugas acabarem—elas não conseguem aguentar o cheiro”. A mulher de idade avançada se apressou e os deixou a sós.
“Eu não me importo com sangue, sabe”, Lua disse defensivamente, embora ele não tivesse dito uma palavra e ela estivesse com as costas voltadas para ele para que assim ele não pudesse ver seu rosto. Mas ela estava certa de que ele deveria estar rindo dela.
“Sério?”.
“Eu cuidei de alguns danos bastante sérios e não dei a mínima. E vômito—eu já limpei antes. Eu não me importei”. Muito.
“Querida”.
“E pus. Eu lidei com pus e eu não passei mal”. Não era verdade. Ela tinha se sentido bastante mal quando o pus tinha esguichando da perna inchada do pai, mas ela não deixaria que Arthur pensasse que ela era uma mulher fraca porque ficava doente ao ver uma sanguessuga preta e pequena.
“Até pus, é? Bem, bem, bem”.
Ele estava rindo dela, ela podia dizer por causa da voz dele que estremecia. Ela virou para encará-lo, mas foi forçada a virar de volta novamente, depressa.
As criaturas, vermes, tinham se firmado debaixo de seu olho, gordas como lesmas, engolindo o sangue dele. As criaturas estavam pelo seu torso, agarrando todas as contusões importantes, alimentando-se de seu corpo.
“Eu não sei por que isso funciona”, ele disse a ela, “mas funciona e é indolor. E veja, com a pomada—elas se entregam”.
“Vou acreditar na sua palavra quanto a isto”.
O silêncio caiu.
“Então”, ele disse depois de um momento ou dois, “enquanto nós estamos sentados aqui esperando por estas coisas terminarem seu piquenique, que tal você me dizer como uma menina nascida na Inglaterra se tornou uma princesa de Zindaria?”.
“Meu pai era inglês, mas mamãe era uma princesa. Papai era ambicioso. Ele herdou uma fortuna significativa, mas seu nascimento era meramente distinto, então ele achou uma princesa e se casou—”
“Simples assim, é? Como ele conseguiu isto?”, Thur inquiriu. “Tenho um amigo que gostaria de se casar com uma herdeira”.
“Oh, mamãe não era uma herdeira, era apenas real. Ela era a filha mais jovem da casa dos Blenstein, regentes hereditários do Principado minúsculo e muito pobre de Blenstein antes de este ser absorvido pelo Império austríaco, mas ela era uma princesa, e isso era tudo o que importava para Papai”.
“E você nasceu aqui”.
“Sim, em Kent”.
“Então como acabou se casando com o príncipe de Zindaria?”, ele perguntou, acrescentando, “as sanguessugas terminaram; caem quando estão cheias. Você pode se virar de volta”.
Lua girou cautelosamente. “Céus”. O olho inchado não estava mais tão inchado. Ele podia que a cor estava quase normal e os círculos escuros tinham enfraquecido consideravelmente. Havia duas pequenas marcas sangrentas onde as sanguessugas estiveram.
“É incrível, ne”, ele concordou. “Todo o sangue ruim está dentro delas”, ele disse, esticando a mão. Na palma havia duas sanguessugas pretas e inchadas, agora o tamanho de lesmas gigantes.
“Eca”. Lua desviou os olhos e esperou até que ele soltasse as sanguessugas de volta no jarro.
“Não há realmente nenhuma necessidade de você me acompanhar”, ela disse a ele. “Se nós sairmos daqui depressa, o Conde Anton continuará sem saber nada. Nicky e eu ficaremos muito bem sozinhos. Eu consegui viajar através da Europa sem ajuda, sabe”.
“Eu sei, e estou impressionado. Mesmo assim, devo escoltá-la. Você não pode fingir que não daria boas-vindas a uma fonte extra de proteção para o seu filho”.
Ela não podia. Ficaria muito feliz em ter alguma proteção. Ela apenas não queria que fosse ele. Ele a desestabilizava, o modo como ele olhava para ela, provocava-a, tratava-a como se ela fosse frágil e preciosa quando ela sabia que não era de todo frágil. E ninguém nunca tinha pensado nela como preciosa.
Era muito sedutor ser tratada assim, e ela não desejava ser seduzida em nenhuma acepção da palavra.
Ela tinha caído nessa armadilha antes. Ter sido feita de tola uma vez, vitória dele; ser feita de tola duas vezes, derrota dela.
Os beijos no estábulo tinham sido difíceis de resistir, mesmo que ela vivesse cem anos, não se esqueceria daquele beijo que ele tinha dado nela quando saíra para salvar Mel.
Firme. Possessivo. Apaixonado.
Ela não queria ficar espremida em uma carruagem por horas a fio com um homem que achava que não era nada demais beijar uma mulher que mal tinha conhecido, e cujos beijos tinham feito ela se esquecer de todas as suas resoluções e ficar com os joelhos fracos.
Além disso, ele era mandão. Realmente mandão. Toda a vida ela tinha recebido ordens dos homens, tivera seus desejos ignorados, suas opiniões rejeitadas. Finalmente ela estava livre: como viúva, não devia obediência a homem nenhum.
E nenhum homem iria tirar a liberdade dela. Nem mesmo um diabo de olhos azuis que beijava como num sonho.
Mas havia o filho que ela deveria pensar. Arthur tinha se oferecido para proteger Nicky também. Ela sabia que ele protegeria a ela e ao filho dela ou morreria tentando. Não se podia desejar mais do que isso.

Mas era muito para se pedir a um homem, especialmente quando não se oferecia nada em retorno.

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