Parte 3
Chay concordou com a cabeça. Ele começou a erguer a mobília destruída. “ela
teve muito trabalho, sim teve, para deixar tudo arrumado. Além de cuidar do gatinho
dela, Kitty. Ela está preocupada com ele”. Ele estremeceu. “Eu ‘memo’ não suporto
gatos. Fazem espirrar”.
Thur observou o quarto e percebeu que Chay estava certo. Sob a porcelana espatifada,
terra, gerânio e borrifos de sangue dispersos, as coisas de madeira e o chão
tinham sido recentemente polidos e cheiravam a cera de abelha. Em todos os lugares
havia pequenos e meticulosos toques femininos nas cortinas, ornamentos, tapetes
de mão, retratos de aquarela emoldurados, todos tortos ou arruinados.
Thur não tinha notado; Chay tinha. Interessante.
Eles se limparam e arrumaram tudo da melhor maneira que podiam. Primeiros
eles carregaram os prisioneiros e os atiraram no lado de fora na parte de trás.
Três deles recuperaram a consciência e lutaram, cuspindo insultos em uma língua
que ele não reconheceu. Um brigou com Chay.
“Assim que se faz”, ele murmurou, pegando um vaso de metal da estante, e o usou
para nocautear cada um deles novamente.
Thur olhou para o vaso e bufou. “Ela provavelmente amava este vaso, Chay”.
Chay encolheu os ombros. “Estava arruinado de qualquer maneira”.
Eles erguerem tudo o que tinha ficado solto e varreu todo o que tinha sido
espatifado.
Thur olhou de relance para o teto. “O que diabos aquelas mulheres estão
fazendo? Quanto tempo é necessário para se fazer uma mala?”.
Chay encolheu os ombros. “São mulheres”. Ele ergueu um livro e o cheirou.
“Couro. Bela encadernação”. Os dedos dele deslizaram sobre o relevo antes de recolocar
o livro cuidadosamente na estante. Ele examinou alguns, então percebeu que Thur
o estava observando e o fechou com um estalo. “Nenhuma foto”. Ele depressa
empurrou todos os livros de volta nas prateleiras e foi à procura de uma
vassoura.
Thur estava virando os livros de cabeça para baixo quando as duas senhoras estavam
descendo.
“Na hor—hora, tudo pronto?”, ele se apressou adiante. A senhorita Melanie
estava carregando uma bolsa estofada desbotada, e um guarda-chuva e Lua estava carregando
uma caixa grande, coberta.
Arthur pegou a caixa dela. “Bom Deus”, ele exclamou. “O que tem aqui? Pesa
uma tonelada”.
“Coisas da Mel”, ela disse com uma voz que indicava que tinha pensado na
pergunta dele como impertinente.
Thur sorria amplamente. Alguns minutos na companhia da governanta e o anjo
vingador dele estava voltando a ser uma cortante pequena duquesa. Thur não se
importava. Ele gostava dela de qualquer modo. Ele notou as pistolas e colocou-as
cuidadosamente no bolso.
“Eu peguei coisas suficiente para alguns dias”, a senhorita Melanie disse,
“mas estou preocupada com o meu querido pequeno gatinho Kitty. Eu não consigo achá-lo
em lugar algum”. Ela foi para a porta da parte de trás e o chamou, “Kitty-kitty-kitty!”.
Nenhum gato apareceu.
“Vocês vão para Grange, nós acharemos seu gato”, Thur disse a ela. “Terminaremos
de arrumar aqui—”
“Oh, mas eu posso fazer isso mais tarde”. A senhorita Melanie olhou de
relance em dúvida dele para Chay, que estava empurrado um esfregão em torno do
chão, deixando algumas manchas. Ele parecia um boi enorme no feminino e pequeno
chalé.
“Senhora, nós fizemos a bagunça, e nós a limparemos—ou melhor, eu irei. Chay
escoltará as duas senhoras de volta a Grange e eu levarei os patifes até o magistrado
local”.
“Não, você não deve!”, Lua ofegou. “Eu não quero uma denúncia”.
Thur franziu o cenho. Ele não gostou. “O crime deve ser reportado. Qualquer
outra ação é um convite a anarquia”.
“Se você disser que estrangeiros arrombaram a casa da Mel e a mantiveram
prisioneira, haverá um rebuliço enorme. Conde Anton deve estar em algum lugar
próximo. O agente policial local vai falar com ele, e Conde Anton descobrirá
quem fez a denúncia e onde você vive—e saberá onde eu estou”.
Ele a encarava direta e fixamente nos olhos. Ele leu neles o medo e a determinação.
“Muito bem. Vai contra todos os meus instintos, mas não vou fazer uma denúncia”,
ele disse, confortando-se com o pensamento de que nenhum homem de sangue quente
conseguiria resistir à atração daqueles olhos castanhos. “Agora venha, vamos
andar. Vou acabar por aqui e logo seguirei”.
“E quanto ao meu gato? Kitty não gosta de homens”, a senhorita Melanie
disse, de forma que pareciam que eles compartilhavam as mesmas visões. “Ele
será ainda mais desconfiado agora, desde que aquela besta repugnante o chutou!”.
“Eu acharei a porcar—acharei o gato”. Thur disse a ela, tentando mascarar
sua impaciência. Ele olhou para a entrada para ter certeza de que estava tudo
limpo. “Gatos gostam de mim, não se preocupe. Mas eu poderia arranjar tudo
muito melhor se soubessem que ambas estão seguras”.
“E fora do caminho”, Lua disse em uma voz que apenas Thur podia ouvir.
“Exatamente”. Ele deu a ela um tipo de sorriso que se dá a um aluno
inteligente.
Ela fez uma careta para ele.
“Você pode fazer uma careta ainda melhor para mim lá do curricle”, ele
disse. “É mais alto”. Deslizando o braço livre ao redor da cintura dela, ele a
conduziu na direção da porta.
“Eu posso caminhar perfeitamente bem por mim mesma”, ela murmurou.
“Sim, mas você vai? Essa é a questão”. Thur a compeliu para frente. “Chay,
escolte a senhorita Melanie, por gentileza”, ele ordenou por sobre o ombro.
“Agora, mexam-se!”.
“Não há necessidade de me empurrar”, sua duquesa disse cortante.
“Há necessidade, sim. Pense que eu não a estou empurrando, mas sim dando uma
afetuosa cutucada”. Ele a levou para fora do chalé, colocou a caixa atrás, e a ergueu
até o curricle. Chay fez o mesmo com a governanta, então subiu, espremendo-se ao
lado dela. Thur deu as pistolas a ele. “Você sabe o que fazer”.
“Nós também”, Lua disse com lábios franzidos.
“Hah! Eu já ouvi isto antes”, Thur disse e deu um tapa na anca de um dos
cavalos.
Ele observou o curricle até ele estar longe da vista. Ninguém o seguia. Thur
começou a respirar normalmente novamente. Ele tinha lutado contra quatro homens
esta tarde e ainda estava bem, mas ela tinha lhe dado um golpe que o tinha acertado
com tudo.
O modo como ela tinha voltado e adentrado a porta, com as pistolas na mão.
Para ajudá-lo. Ele. Arriscando-se
para salvar um homem que era mais do que capaz de cuidar de si mesmo. Ele tinha
sobrevivido a oito anos de guerra.
Mulher louca. Ela não tinha nenhuma ideia de como deveria ser entre homem e
mulher. Ela era a pessoa a ser protegida, não o contrário.
Thur verificou os homens na porta de trás. Eles ainda estavam inconscientes.
E ele ainda estava tentado a entregar os porcos covardes às autoridades, mas tinha
dado a ela sua palavra de que não iria. Pela primeira vez na vida ele tinha
deixado de fazer aquilo que considerava ser a coisa certa.
Ele verificou o chalé. Havia danos nas portas e janelas. Ele enviaria um
homem pela manhã seguinte para consertar o que fosse preciso. Ele endireitou
alguns tapetes e retratos.
Ele não conseguia tirar isso da cabeça; nenhuma mulher, nunca, tinha tentado
protegê-lo.
Ele não tinha nenhuma ideia de como lidar com isto.
Ela a conhecia há apenas um dia—menos que um dia.
Ele ouviu um som atrás de si e girou. Nada. Então viu um vislumbre de
movimento debaixo da cômoda da cozinha. Ele se abaixou e viu um grande, velho e
feio gato amarelado com cicatrizes de batalhas observando-o cautelosamente através
de um olho bom.
“Você possivelmente não é o querido gatinho Kitty”, Thur disse. “Você deveria
ser chamado de Ciclope ou Odisseu”.
O gato o encarou em
silêncio. Algo mordido, que mal se podia chamar de rabo, foi agitado
furiosamente. Mas o gato, apesar de bravo,
estava muito à vontade em casa.
“Apareça gatinho Kitty, seu velho degenerado”.
Thur esticou a mão para debaixo da cômoda para pegar o gato e o gato o arranhou.
Thur xingou e chupou o sangue da mão bastante arranhada. Ele envolveu um lenço
ao redor da mão e, fez barulhos calmantes, tentando novamente. O lenço foi
cortado em tiras e Thur adquiriu mais alguns arranhões. “Olhe, seu diabo feio e
velho, eu não vou te machucar, só vou te levar para aquela mulher iludida com o
pobre, doce e pequeno gatinho Kitty”.
“Onde está a ‘prrincesa’?”, uma voz acima dele disse, e a cabeça de Thur explodiu
com dor.
“Princesa? Que princesa?”, ele disse zonzo. Uma bota o chutou com força na
virilha e Thur se dobrou, gemendo e amaldiçoando sua própria estupidez. Pelo
menos três deles estavam de pé acima dele. Ele estava metade debaixo da cômoda,
e fora pego despreparado como um tolo insipiente.
O líder, com botas de montar pretas brilhantes com esporas de prata, rosnou,
“não desperdice meu tempo, camponês! Eu quero a ‘prrrincesa’ e o filho dela!”.
“Não sei do que você está falando. Não conheço nenhuma princesa”. Thur
tentou se livrar, mas o salto do sapato de outra bota pisou na mão dele. A dor
era excruciante.
“Diga-nos onde ela está. Ela e o ‘prríncipe’”.
“Nunca vi nenhum príncipe ou princesa”, ele conseguiu dizer por entre os
dentes. “Viu um rei uma vez, antes de ele enlouquecer”. Ele tentou olhar para o
locutor e acabou com uma bota plantada sobre sua cabeça. Ele estava imobilizado
no chão e impotente.
A bota empurrou mais. “A princesa e o menino são tudo o que queremos”.
Thur era um soldado e um realista. Havia apenas uma coisa que ele podia
fazer. Então ele injuriou o homem, insultando-o com os piores palavrões que pôde
pensar. Anos no exército tinham dado a ele um vocabulário excelente.
Surtiu o efeito desejado; eles pararam o interrogatório e começaram a atacá-lo.
A última coisa que Thur viu foi o gato passando como um raio entre um monte
de botas pretas e passando porta a fora…
“’Captão’, você pode me ouvir, ‘Captão’?”, água fria foi espirrada sobre o rosto
de Thur. Ele tentou se mover e gemeu. Cada centímetro de seu corpo doía. Ele
conseguiu abrir um pouco um olho e viu Chay, ansiosamente olhando para ele
abaixo.
“Você está muito machucado, ‘Captão’?”.
Thur agitou a cabeça e estremeceu. Sua cabeça parecia que iria se partir.
“Não, apenas um pouco estropiado. Eles se foram?”.
“Sim. Você pode se mover?”.
“Claro”. Thur se moveu e xingou novamente. Ele examinou o interior da boca
com a língua, verificando se ainda tinha todos os dentes. Tinha.
“Beba isto”. Chay pôs um copo de conhaque nos lábios dele. Thur tragou,
então o empurrou para trás, tossindo, enquanto o líquido ígneo o queimava
durante sua descida.
“O que diabo—?”, ele ofegou.
Chay sorriu amplamente. “Um pouco gota de orvalho de montanha irlandesa,
senhor—nós chamamos de poteen. Bom para doenças”.
“Se isso não me matar primeiro!”, Thur balbuciou.
Chay deu a ele alguns segundos para se recuperar, então o ajudou a ficar de
pé. “Eu trouxe o curricle. Quando você não voltou, fiquei preocupado. Deixei as
senhoras em Grange e voltei. Então, o que aconteceu?”.
Thur mostrou o rosto torto. “Os bandidos conseguiram me pegar”.
O queixo de Chay caiu. “Você, ‘Captão’?”.
“Sim”, Thur admitiu tristemente. “Por minha própria e estúpida culpa. Fui
mais tolo do que qualquer recruta. Eles me pegaram quase debaixo daquela
cômoda, perseguindo aquele maldito gato”.
Ele cambaleou para a porta da frente e olhou para o caminho cinza, no fim do
qual o esperava seu curricle. “Tem mais daquela maldita água de fogo irlandesa?”.


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