Capítulo III.
Apesar de ter deitado tarde, Thur despertou com o cantar dos pássaros. Ele
sorriu e se esticou preguiçosamente. Ele se sentia vivo e ávido para encontrar
o dia, de um modo que não se sentia há anos.
Ele escapou da cama, andou de leve até a janela, e olhou. Frio, o claro amanhecer
o saudou, o dia iria do cinza pálido até o ouro mais brilhante. Uma massa de
névoa tocava o chão. Contendo a promessa de um dia bonito.
Ele se vestiu depressa. A porta dela ainda estava fechada quando ele
passou. Ela dormiria por várias horas mais, ele pensou. Ela e o menino tinham
ficado exaustos.
Ele pegou duas maçãs da tigela no aparador da cozinha, e mordeu uma com vontade,
guardando a outra. Ele tomaria café corretamente e se barbearia quando voltasse.
Ele, ao sair, notou para sua surpresa que a porta da cozinha estava destrancada.
Barrow estava de pé cedo. Assombroso, depois de uma noite tão longa.
Abrindo a porta do estábulo, Thur parou. Alguém estava conversando no
estábulo, e não era Barrow. Ele escutou, mas não podia identificar o locutor.
Ele abordou o estábulo, andando suavemente…
“Você gosta de maçã, não é?”, uma voz alta e clara disse.
Ele ouviu um profundo bufar, quando Trojan respondeu. Thur sorria
amplamente. Aquele cavalo era o mais próximo de um humano que um cavalo podia
ser. O jovem Nicky estava de pé em uma baia, cortando pedaços de maçã e jogando-os
por cima da metade aberta da porta para o cavalo. Interessante, para um menino que
estava tão assustado com cavalos. Juno estava sentada ao lado dele, assistindo
a passagem dos pedaços de maçã para o cavalo com olhos cheios de ciúme.
“Trojan gosta muito de maçãs”, Thur disse.
O menino saltou e girou, deixando cair um pedaço de maçã. Ele se levantou apressadamente
do tamborete, e para o assombro de Thur, estava rigidamente atento, como um
pequeno soldado aguardando um castigo.
“Sinto muito, senhor”, o menino disse formalmente. “Eu sei que não deveria
ter vindo”. Ele falou em inglês fluente, mas com um pequeno rastro de sotaque. A
mãe dele não tinha sotaque algum. Juno cutucou a perna do menino, tentando pegar
o pedaço de maçã que tinha caído. Ele tropeçou, então se endireitou para prestar
atenção novamente.
“Juno também gosta de maçã de vez em quando. Não me importo que queira vir ao estábulo
contanto que não despertasse a sua mãe”, Thur disse facilmente. “Eu sempre ia aos
estábulos todas as vezes que podia quando tinha a sua idade. Se for pensar, eu
não mudei muito, não é?”.
A criança considerou solenemente. Seus olhos não eram tão castanhos quanto os
da mãe. Depois que um momento ele disse, “em casa eu não tinha a permissão de
ir aos estábulos sem papai ou sem meu guar—outro homem”.
“Eu pensei que você não gostasse de cavalos, Nicky”. Thur terminou sua maçã
e ofereceu o caroço para o menino. “Aqui, dê isso a ele. Mas não jogue. Eu te disse
que Trojan não morde”.
Nicky fez que não com a cabeça, então Thur cortou um caroço pela metade e demonstrou.
“Segure isto na palma da sua mão, com seus dedos completamente esticados, como se
estivesse servindo-o em um prato”. Ele deu um bocado para o cavalo e Nicky observou,
com olhos arregalados, enquanto Trojan estendia o nariz e tomava o caroço
delicadamente da palma de Thur.
“É porque ele é o seu cavalo”, o menino disse.
“Não”, Thur disse. “Ele será amigo de qualquer um que traga maçãs. Por que
você não tenta?”.
“Muito bem”. Os olhos dele ficaram vivos com o pensamento, o menino tomou a
outra metade do caroço e subido de novo no tamborete. Com os dedos estendidos
ele ofereceu e esperou, o rosto contraído com antecipação de desastre.
Trojan se debruçou adiante, lambeu o caroço delicadamente, e então o ergueu
da palma do menino.
“Ele a pegou! Ele não me mordeu mesmo, nem mesmo um beliscão!”, Nicky exclamou.
“Qualquer um dos cavalos do meu pai teria arrancado a minha mão!”.
“Ferozes, não?”, Thur retirou a faca, cortou uma fatia da segunda maçã, e
deu-a para o menino.
“Oh sim, eles eram criados para guerra, sabe”, Nicky disse, enquanto alimentava
o cavalo. “Papai tinha os cavalos mais ferozes de toda a região. Eu pensei que
Trojan(*) seria feroz, também, por causa do nome. E porque ele é tão magnífico”.
“Entendo”. E Thur achou que entendia. “É por isso que você não gosta de
cavalos?”.
“Eu—eu gosto deles, mas não gosto de ser mordido. É que… eu não posso
montar”. Ele disse como se estivesse confessando algo vergonhoso.
Thur manteve-se cortando as fatias e dando-as para ele. “Quantos anos você
tem?”.
“Eu farei oito no próximo mês. Os lábios dele são tão suaves—parecem de veludo!”,
ele estava alimentando agora o grande cavalo com confiança.
“Há muito tempo ainda para aprender a montar. A maioria das pessoas não
aprende até que sejam muito mais velhos”.
Nicky agitou a cabeça. “Na Inglaterra talvez”, ele disse descartando a
ideia. “Mas não em Z—de onde eu vim”, ele emendou. “Lá nós montamos com quatro
ou cinco anos de idade”. Ele desviou os olhos. “Eles montam”, ele murmurou.
“Sua mãe não sabe montar”.
“Sim, mas ela é uma senhora, e
inglesa”.
Thur encolheu os ombros. “Muitas senhoras inglesas montam. Eu conheço
senhoras que podem montar melhor do que a maioria dos homens”.
Nicky parecia em dúvida.
“Além disso, o que importa se ela monta ou não?”.
“Importa em Z—de onde eu venho. Nós somos famosos por cavalos e cavaleiros.
Todo mundo monta—todos os homens e a maior parte das mulheres. Os cavalos são a
herança do meu país”.
Thur concordou com a cabeça, entendendo as implicações. “Você gostaria que eu
te ensinasse?”.
O menino agitou a cabeça. “Papai tentou muitas vezes. Eu apenas caio—como um
bebê! Inútil!” Ele golpeou a perna
torta com tanta força que deveria ter machucado. “Esta perna é inútil. Não é forte
o suficiente”.
Thur o passou a última fatia da maçã. “Muitas pessoas com pernas ruins
podem montar ainda assim”.
(*) Trojan - um natural ou habitante de Tróia ou ainda uma
pessoa que mostra determinação, coragem ou energia.
O menino agitou a cabeça. “Não eu. Papai me fez ser examinado pelos
melhores médicos. Minha perna não pode ser consertada. Então nunca poderei montar”.
“Talvez”, Thur disse. Ele entrou na baia e deslizou uma rédea sobre seu
cavalo. “A perna do meu irmão Harry foi ferida quando ele era muito pequeno.
Ele ainda manca, mas monta como um demônio”.
Houve um silêncio. Thur colocou a sela em Trojan e se curvou para apertar a
cilha da sela. “Harry estará aqui em alguns dias. Ele trará alguns cavalos”.
Ele olhou de lado, de relance, para o rosto do menino. O menino não fez nenhum
sinal de que tinha ouvido.
Thur desatou Trojan e o levou para fora do estábulo. Nicky hesitou, ainda
nervoso por causa do cavalo grande. Quando Trojan deu um passo na direção dele,
ele se encostou contra a parede. Seu medo enfraqueceu quando Trojan lambeu
suavemente sua camisa e cutucou impacientemente seu bolso.
“Ele quer mais maçãs!”, o menino exclamou, rindo. Ele acariciou indecisamente
o nariz do cavalo, então a deslizou levemente com confiança crescente.
Thur deu a eles alguns minutos, então levou o cavalo.
Nicky o seguiu, seu andar manco muito em evidência. “Aonde você está indo?”.
“Pensei em tentar recuperar a mala de viagem da sua mãe”. Ele montou e
girou o cavalo na direção da estrada. “Se alguém perguntar onde estou, diga que
voltarei perto do horário do almo—”, ele cessou bruscamente. Girou inesperadamente,
e compreendeu no rosto de Nicky uma expressão tão melancólica que não pôde
suportar. “Gostaria de vir comigo, Nicky?”.
“Eu? Ir com você?”.
“Você podia montar comigo. Trojan não se importaria. Ele gosta de você”.
O menino hesitou, deu um olhar desejoso para o cavalo, e olhou de relance para
a casa atrás.
“Eu te trarei de volta antes que a sua mãe desperte”.
Ainda assim o menino se atormentava.
“Você não cairá, eu prometo”, Thur disse a ele. “Você pode se sentar na minha
frente”.
“Como um bebê?”.
“Não, como Harry e eu costumávamos fazer quando éramos meninos e só
tínhamos um cavalo para nós”. Houve um curto silêncio. Thur acrescentou,
“Soldados fazem isso o tempo todo, muito—usá-lo em dupla, quando só há um
cavalo”.
Essa foi a prova concludente. O menino pequeno se curvou, deu a Thur uma reverência
firme e solenemente disse, “eu aceito”. Outro menino poderia ter saltado de
alegria, batido palmas com as mãos ou apenas sorrido amplamente com prazer. A
criança da Sra. Prinny tinha feito uma reverência correta, formal. Seria ele um
filhinho de papai?
“Excelente. Agora, agarre as minhas mãos, e quando eu contar até três, você
salta e eu farei o resto. Um, dois, três!”, ele jogou Nicky para cima à frente
dele. A criança se sentou para frente, suas mãos segurando os antebraços de Thur
firmemente.
“Pronto?”.
“Sim”.
Thur cutucou Trojan e seu cavalo saiu para o passeio. O menino se sentou rígido,
segurando nos antebraços de Thur como se fosse o aperto da morte. Tal mãe, tal filho,
ele refletiu.
Comentem e me façam feliz!
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